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Dizer desta Guerra de Ninguém de Sidney Rocha é dizer da nova e surpreendente natureza dos textos ali incluídos. Não ousaria “apresentar” os contos porque prescindem de apresentação. Desde Matriuska e O destino das Metáforas, a escrita de Sidney fala por si. Com Fernanflor, a literatura por ele produzida confirmou lugar definitivo no nada generoso cenário da literatura brasileira. Se encareço a exiguidade do espaço é por assistir ao desfile quase ininterrupto de muitos textos para pouca literatura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os contos dessa guerra refletem a independência formal e estética norteadoras de inventiva que desconhece fronteiras espaciais e temporais, alinhando o século XVI ao XXI, Europa, Índia e Brasil. Nesses textos encontram-se figuras icônicas das lutas americanas como Sandino, Zapata e Guevara, estadista como Lincoln, líder religioso, Gandhi, o mártir, Frei do Amor Divino.

Não fica por aí a galeria: poetas como Sidney Keyes, Pablo Rocka, Georg Trakl, o bailarino Nijinsky, encenam batalhas pessoais, nesse painel onde a morte e a vida se digladiam, enquanto aguardam o confronto final, a Samarcanda de cada um. A maior peleja, entretanto, não é pela vida contra a morte, pelo sucesso, amor ou liberdade. Não é e acaba sendo. A luta renhida, sem trégua, é com a palavra, matéria-prima do criador. A busca da expressão justa, o escamoteamento da mesmice, do lugar-comum, das “fórmulas” gastas e nem por isso menos utilizadas, são os adamastores que impedem a travessia do óbvio, do medíocre, para o mar aberto das infinitas possibilidades narrativas.

Trabalho árduo, às vezes vão, como disse o poeta Carlos Drummond no poema “O Lutador”; difícil para defender a vida, como disse João Cabral (“É difícil defender só com palavras a vida”), mas de “estranha potência”, como enfatizou Cecília Meireles.

Seduzido por essa força estranha, pela gana de defender, com palavras, a vida, o autor, para quem literatura e vida se confundem, rejeita rotas estáveis para lançar-se ao mar aberto da escrita independente, criativa e instigante que convida o leitor a buscar elementos sinalizados no texto fora dele, tornando a leitura uma experiência desafiadora e produtiva, ampliando as expectativas de visão do mundo. Escrita livre, expressão medida, artesania da palavra.

Dialogando com criadores que alicerçam for­mação intelectual e humana, com os quais compartilha a danação da arte, Sidney Rocha convida ao engajamento nesta guerra, cuja recompensa é a fruição da boa literatura, “locus amoenus” no deserto da escrita apressada.

por zuleide duarte

ENQUANTO AGUARDAM

O CONFRONTO FINAL,

A SAMARCANDA DE CADA UM

[....] a recompensa é a fruição da boa literatura,

“locus amoenus”

no deserto da escrita apressada.

Zuleide Duarte é escritora e professora. Suas pesquisas abrangem os Estudos culturais, memória, literatura e cultura afro-brasileira e africana de língua portuguesa.

Este texto é parte integrante da edição de Guerra de ninguém (contos, Iluminuras, 2016) e não pode ser citado sem mencionada a fonte.

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