Sofia
[TRECHO]
SUMIU DE CASA COM DOIS ANOS DE IDADE. COMO PODE SUMIR de casa alguém com dois anos de idade? Sumindo. Era pequena. Está provado: as coisas pequenas se perdem com muito mais facilidade. Chaves em bueiros, a moeda no precipício do bolso, endereços importantes dentro de livros. Foi pequeno, já sabe: o caminho é o desaparecimento. Inventaram um chaveiro que apita quando a gente o perde. Mas isso perde a graça do perder-se. Perder-se sem chance de ser encontrado é que é apaixonante. Na razão direta da importância do objeto perdido. Sofia não importava muito, daquele jeito, dois anos somente. Por isso ninguém procurou por muito tempo. A mãe e o pai ainda bateram num lugar ou outro da casa. Assobiaram (assim como se faz para esses chaveiros que apitam, perdidos). Mas não adiantou. Sofia já estava longe. Cantarolaram seu nome, porque sabiam: Sofia adorava quando lhe chamavam assim, porque sempre adorou música. Não adiantou, já estava longe. E como pode ir tão longe alguém com dois anos de idade? Indo. Preciso dizer que, além de não entender coisa alguma, o que mais Sofia sabia fazer era andar. Andava decidida, desde aquela idade. E tinha os pés macios, macios, finos, finíssimos, parecia caminhar sobre almofadas o tempo inteiro. E o mundo ao contrário.
Tudo em Sofia sempre teve gosto de epílogo. De fechamento. De síntese. Andava como se estivesse chegando e quando o pé cruzava o outro, caminhando, era como se acabassem de chegar ao lugar certo. E isso fazia a gente se sentir bem. Como se acabássemos de receber uma boa visita. Sofia sempre parecia estar andando ao meu encontro, com seus cabelos que dançavam. E andava muito Sofia. Por isso sempre falava do mundo cheio de mazela. Porque Sofia já tinha percorrido o mundo inteiro, esse mundo ao contrário, cheio de mal, e Sofia cheia de mel, tão doce era. Perguntei por que Sofia gostava tanto de andar e desaparecer andando, desde os dois anos. Ela respondeu, daquele jeito que eu já disse, com as palavras descendo feito criança por escorregador de parque: “Porque”. Foi tudo o que respondeu: Porque. E eu fiquei sem entender nada daquilo e Sofia sorriu, de feliz que ficou.
[....]