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Nem todo campo de batalha é um espaço físico: alguns residem nas mentes e as lutas interiores fazem parte da miríade de conflitos que Sidney Rocha narra em Guerra de ninguém (Iluminuras, 118 páginas, R$ 40), mais recente trabalho do escritor cearense radicado no Recife. Para ele, os embates internos vistos nos personagens da obra têm origem no mundo exterior. São frutos diretos ou indiretos de algo tangível, a violência, que, segundo o autor, é algo mais unânime do que o próprio amor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Não só é mais universal, é também a outra cara do amor. O nascer do mundo foi uma explosão. O parto é violento e doloroso. Só o não-viver, ou seja, o não ter nascido, é apaziguado, sem choques, neutro”, opina.
E o resultado da brutalidade que permeia as histórias do livro é justamente o fim da vida dos personagens. Nas palavras de Sidney Rocha, “a morte é o único assunto da literatura”. E é disso que se trata Guerra de ninguém. As mortes vistas no livro são diversas, vão do assassinato ao suicídio, mas trazem um aspecto em comum: são retratadas sem o pesar habitual, algo corriqueiro, quase banal. “É intencional, deliberado, como o absurdo também é em Sartre, Camus e Beckett”, afirma o escritor.
O volume é a último de uma trilogia de livros de contos iniciada em 2009 com Matriuska (Iluminuras, 96 páginas, R$ 40) e continuada em O destino das metáforas (Iluminuras, 116 páginas, R$ 40), de 2011. “Há um elo comum entre os três livros. Não um elo perdido, um elo de perdição. Dos personagens enredados no amor, na vida e na morte que, assim, juntos, ou separados, sejam sempre um só”, afirma Rocha. O autor aponta, ainda, que o primeiro é mais centrado em figuras femininas, enquanto o segundo é “misto, familiar” e, o terceiro, masculino.

 

DIARIO DE PERNAMBUCO - O hotsite da editora anuncia Guerra de ninguém como o último de uma trilogia de contos. É isso mesmo? Pergunto porque parece pouco usual crônicas serem pensadas em publicação de trilogia. Qual o elo comum entre os três? 

SIDNEY ROCHA -A informação está correta. Há um elo comum entre os três livros. Não um elo perdido, um elo de perdição. Dos personagens enredados no amor, na vida e na morte que, assim, juntos, ou separados, sejam sempre um só. Certa dicção irônica é outra coisa que irmana esses três livros. Mas se alguém quiser também apontar as diferenças verá que o primeiro [Matruiska, 2009, Iluminuras] é mais centrado em figuras e fabulacões femininas, o segundo [O destino das metáforas, 2011, Iluminuras] é misto, ou seja, familiar, esse, o terceiro, masculino.

 

DP -Algum acontecimento externo influenciou na escolha da temática do livro?

SR -De modo consciente, não. Mas é impossível que acontecimentos externos — se a expressão se refere ao aqui e agora — não influenciem na composição de uma história, por mais interna ou internalizada que ela queira ser.

 

DP - Por que a guerra ainda fascina, para o bem ou para o mal?

 

SR - A guerra é a razão ou desrazão de ser do gênero humano. O único em que conseguimos imitar com perfeição a natureza. A guerra é bela como um incêndio, e feia como um pântano. Uma síntese do humano em suas baixezas e glórias — estas últimas sempre ilusórias, é claro.

 

DP -A morte é um tema central nessa obra. O que motivou falar sobre?

SR - Parece meio lugar-comum responder assim, mas a morte é o único assunto da literatura.

 

DP - A guerra vista nos textos se assemelha mais às batalhas mais antigas, do confronto direto, diferente de táticas mais atuais, como o uso de drones, bombardeios etc. A violência está perdendo rosto?

 

SR -Você tem razão: o corpo a corpo só é possível numa sociedade ainda movida pela ideia de coragem e de honra. Estamos diante da covardia química, biológica, da covardia midiática. Mas não, a violência não está perdendo o rosto, pelo contrário: a cada dia ganha novos rostos, máscaras e disfarces.

 

DP - A descrição das mortes, aliás, não soam dramáticas: parecem algo corriqueiro. Essa naturalidade é intencional? 

 

SR - Sim, é intencional, deliberado, como o absurdo também é em Sartre, Camus e Beckett.

 

DP - Você disse em entrevista que não é o amor que une, mas a violência. Considera de fato a violência mais universal?

SR - Não só é mais universal, é também a outra cara do amor. O nascer do mundo foi uma explosão. O parto é violento e doloroso. Só o não-viver, ou seja, o não ter nascido é apaziguado, sem choques, neutro.

por breno pessoa

os novos rostos, máscaras e disfarces

da violência

A guerra é a razão

ou desrazão de ser

do gênero humano.

O único em que conseguimos imitar com perfeição

a natureza. A guerra é bela como um incêndio, e feia como um pântano.

Uma síntese do humano

em suas baixezas e glórias — estas últimas sempre ilusórias, é claro.

Nesta entrevista, incluímos perguntas e respostas inéditas que, por razão de espaço, não publicadas naquela edição do Diario  de Pernambuco, em 20.11.2016.

Breno Pessoa é jornalista e crítico literário do Caderno Viver,

do Diario de Pernambuco.

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