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FOLHA DE PERNAMBUCO - Como foi a escolha da temática para Guerra de ninguém? Por que falar sobre a morte?

SIDNEY ROCHA - Não houve propriamente uma escolha temática, houve a decisão de contar histórias. Não é de todo certo afirmar que haja um tema, e que esse tema seja a morte. A luta pela vida está bem clara já no título que se reporta à guerra. Acho até curioso ninguém até agora tenha observado que a morte está

 

 

 

 

 

 

mesmo no título do meu livro de contos anterior: O destino das metáforas, que é o título de uma das histórias, e onde a morte representa o fim de tais metáforas. Guerra de ninguém pode-se dizer, ironicamente, que é o destino de todas as metonímias, isto é, a vida.

 

FP - Qual a sua relação com a morte e o que há dela neste novo livro?

 

SR - Ainda não tive, felizmente, nenhuma relação com a morte, se considerarmos a palavra “relação” no sentido mais físico possível. No mesmo sentido de humor, é fácil dizer que a morte dos outros me incomoda e me entristece mais do que a minha própria morte, é claro, pois uma vez acontecida já não há acontecimentos nem opiniões, e tudo o que fica é só literatura. Claro que o pensamento e o sentimento de um autor em relação à morte em si e a morte de si se reflete de um modo ou de outro nas histórias que inventa, mas acho que isso está lá apenas indiretamente. Guerra de ninguém é um livro em terceira pessoa; portanto, as figuras que lá estão morreram há muito e continuam vivas, com ou sem paradoxo. 

 

FP - A originalidade da sua obra é algo citado recorrentemente. Como você analisa seu processo de criação e esses caminhos diversos que ele percorre?

SR - É uma pergunta muito difícil de ser respondida. Agradeço o elogio quanto à originalidade, mas, sinceramente, nunca penso nisso, e não analiso o meu processo de criação. Quanto aos caminhos percorridos, talvez caiba dizer que estou naquele grupo de prosadores cuja primeira forma de expressão foi a poesia.

É possível que o interesse por uma linguagem o máximo bem cuidada tenha origem no fato de que para um poeta a palavra se comporta como um animal vivo, por mais mineral e vegetal que muitas vezes se apresente. Por outro lado, as impurezas da vida,

o máximo do orgânico tem de estar na narrativa, um território sempre selvagem, nunca uma sala asséptica. 

 

FP -Se “assume” essa característica criativa tão propagada, como você vê a literatura contemporânea? Concorda que é maciçamente repetitiva, igual ou vazia (muitos escritores dizem, em entrevistas a mim, que estamos numa época de inércia literária)?

SR - Não concordo que estejamos numa época de inércia literária. Muito pelo contrário. Cada escritor é quase um movimento em si. Talvez nunca houve tantos ocupados com escrever e publicar livros. E talvez por essa superabundância seja difícil ou até impossível separar o joio do trigo. Está muito cedo para avaliarmos o impacto ou a presença da literatura contemporânea, as ‘vozes’ se confundem facilmente. Muitos poucos escritores de hoje, talvez nenhum, terá obra resistente ao Grande Prêmio do Tempo — falo de uma resistência aos próximos cinquenta anos, pra facilitar a compreensão do que digo. Mas o que falta ao mundo, hoje, é inteligência, no geral. E disso sofre também a literatura, o jornalismo e a política. Por isso o que se busca tanto hoje nas artes e na literatura como panaceia é a ‘criatividade’ e ‘originalidade’. O sonho da originalidade, contudo, não pode se desviar do caminho do conhecimento, uma esquecida virtude ou capacidade de nos emocionarmos de verdade com as coisas do mundo. Essa potência, que poderíamos chamar de lucidez, literária ou não, vem se perdendo. Estamos ficando tolos demais até para aceitar isso.

 

FP - Como está sua atual produção e como se dá seu processo (sempre gosto de perguntar a respeito da criação aos escritores, quase uma curiosidade pessoal...)?

SR - Minha produção atual é work in progress. Agora me ocupo de completar a trilogia de romances iniciada com Fernanflor e tenho em andamento outros projetos de livros, e o roteiro para um longa e peças de teatro. 

por tatiana notaro

guerra de ninguém

e o destino de todas

as metomínias: a vida.

Não concordo que estejamos numa época de inércia literária. Muito pelo contrário. Cada escritor é quase um movimento em si. Talvez nunca houve tantos ocupados com escrever e publicar livros. E talvez por essa superabundância seja difícil ou até impossível separar o joio do trigo.Muitos poucos escritores de hoje, talvez nenhum, terá obra resistente ao Grande Prêmio do Tempo — falo de uma resistência aos próximos cinquenta anos, pra facilitar a compreensão do que digo.

 

Tatiana Notaro é jornalista com especialidade em crítica cultural 

e escreve para as editorias de Economia e Cultura 

da Folha de Pernambuco.

Nesta entrevista, incluímos perguntas e respostas inéditas que, 

por razão de espaço, não publicadas naquela edição da

Folha de Pernambuco, em 03.12.2016.

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