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A morte nem sempre chega na forma de algo surpreendente, como uma suntuosa apoteose do fim. Em algumas situações ela chega como um resumo da vida, como uma proposta onírica da existência. Em outras palavras, a morte pode ser encarada como um resumo histórico. 

A literatura de Sidney Rocha une densidade e concisão, em poucos parágrafos seus contos conseguem sugerir uma história completa.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Em seu novo livro de contos, "Guerra de Ninguém", o escritor cearense Sidney Rocha apresenta narrativas em que a morte se revela como síntese histórica da existência humana. O fim como uma espécie de ímã que atrai para si todo tipo de sentido espalhado ao longo de uma vida. 
Lançado pela editora Iluminuras, a obra reúne 22 contos que eliminam fronteiras temporais e geográficas. Séculos distintos trafegam numa mesma confluência em instantes. Personagens reais e históricos se misturam com figuras comuns e ficcionais. 
Uma das principais características da literatura de Sidney Rocha está em unir densidade e concisão. Em poucos parágrafos seus contos conseguem sugerir uma história completa, focalizando apenas os episódios grávidos de significados. 
O conto "Os Nehemy", por exemplo, traz a histórias de dois irmãos em conflito com o pai, um velho imigrante libanês. Os irmãos sentem pavor toda vez que o pai, com o talão de cheque nas mãos, chama os dois para uma conversam. Há sempre o fantasma que o velho fará um cheque para que um deles seja deserdado da família. 
No conto "A Mãe de Seu Menino", uma mãe se consome pela culpa de perder o filho durante um rotineiro passeio no parque. Atormentada pela ideia de que ninguém sabe o que é perder um filho até realmente perdê-lo, executa a seguinte prece: "Nunca me perdoe, filho, não torne isso mais injusto e insuportável do que é". 
O conto "Alva" traz a história da execução do frei Joaquim do Amor Divino. Condenado à forca pelas autoridades, todos os carrascos se recusam a participar de sua morte. A solução encontrada é nomear um pelotão do exército para fuzilá-lo. E um segundo pelotão para executar o primeiro em caso de desobediência. E ainda um terceiro pelotão para executar o segundo pelotão em caso de uma segunda desobediência. E um quarto pelotão para eliminar a dúvida. 
Nas narrativas de "Guerra de Ninguém" a morte não aparece como redenção, nem como fatalidade do destino. Ela é muito mais o sonho de homens diante de uma guerra invisível. E a descrição desse sonho pode aparecer no meio do campo de batalha com as seguintes palavras: "Os pés tinham cachos de calos e ele usava a ponta da espada para se livrar das bolhas. Não se aventurava a tirar as botas, então a lâmina atravessava o couro e depois ele sentia o alívio da flor explodir em orvalhos e ensopar dos dedos ao calcanhar." 

A morte nem sempre chega na forma de algo surpreendente, como uma suntuosa apoteose do fim. Em algumas situações ela chega como um resumo da vida, como uma proposta onírica da existência. Em outras palavras, a morte pode ser encarada como um resumo histórico. 
Nas narrativas de "Guerra de Ninguém" a morte não aparece como redenção, nem como fatalidade do destino. Ela é muito mais o sonho de homens diante de uma guerra invisível. E a descrição desse sonho pode aparecer no meio do campo de batalha com as seguintes palavras: "Os pés tinham cachos de calos e ele usava a ponta da espada para se livrar das bolhas. Não se aventurava a tirar as botas, então a lâmina atravessava o couro e depois ele sentia o alívio da flor explodir em orvalhos e ensopar dos dedos ao calcanhar." 

por MARCOS LOSNAK

sidney rocha:

o cerzidor

de palavras

o leitor se envolve

em algo de ternura, espécie de atenuante às mazelas de uma estupidez chamada guerra.

Paulo Caldas é escritor de Anatomia da baixa renda (Edições Pirata), Esses bichos maravilhosos... (Atual Editora), Sob o ceú de domingo (Edições Bagaço), entre outros Desde 2008, mantém sua oficina literária, no Recife.

Leia esta resenha também onde está publicada originalmente: no Folha de Londrina

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