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Em Guerra de Ninguém, Sidney Rocha se revela um grande mentiroso. Desses como há muito não se via na literatura brasileira. A começar pelo título do livro. Guerra de ninguém.  É, na realidade, Guerra de todos.  Nós. Nossa guerra.

A do dia a dia. Desde os tempos mais remotos, como nos revela.

E nega. Guerra de anônimos e famosos esquecidos, como os ninguém mortos nas guerras pessoais, particulares ou coletivas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ele mente também pelo gênero do livro: contos. Para mim, a narrativa ultrapassa os conceitos editorialmente estabelecidos. Li-o como uma novela, cujos capítulos são nomeados de contos.  Também,  como um poema, desses com fôlego de sete gatos, subdivididos em estrofes com títulos. Por último, como um conto. Do vigário. Nos leva a crer que o que lemos é tudo isso e,  logo em seguida repensarmos: ou nada disso?

Há um narrador desde o primeiro capítulo/conto/estrofe,

que alinhava as mortes/guerras de personagens, fictícios e reais, na linha do tempo,  tornando-os(as) inde&inter-pendentes, num jogo de negação e afirmação dos gêneros literários até aqui estabelecidos.  Este personagem narrador-polifônico,

como os ventríloquos das feiras livres dos Brasis de ninguém,

dá vozes às memórias desses mortos, guiado por um estilo em que prosa, poesia, documentário ou curtos ensaios passam sobre muros e muralhas erguidos entre eles, como o sonho de liberdade passa sobre aquela da antiga China, o de Israel com a Palestina,

ou o que o serial, killer Donald Trump, quer erguer entre o México e os Estados Unidos da América do Norte.

O leitor fique atento. Deixe-se levar pela linguagem cuidadosa

e ardilosamente livre de pré-conceitos, que derrubam preconceitos literalmente fincados no universo literário.

 

Sidney Rocha pode e deve  discordar do que escrevi. Mas  que a literatura brasileira precisa desses mentirosos cada vez mais,  isso é verdade. “E a verdade é seu dom de iludir”. Desconfio que ele não disfarçou o riso sacana quando escutou Karina Buhr: “Eu sou uma pessoa má / eu menti pra você”.

por wilson freire

guerrra de ninguém,

de sidney rocha, ou a reinvenção da mentira

Este personagem narrador-polifônico,

como os ventríloquos das feiras livres dos Brasis de ninguém,

dá vozes às memórias desses mortos,

Wilson Freire é escritor, compositor e cineasta. Escreveu A única voz (Mariposa Cartonera) e o romance A mulher que queria ser Micheliny Verunschk (Edith)

Leia esta resenha também onde está publicada originalmente:

em Livre Opinião - ideias em debate

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